santa maria

Médicos processados de descumprir jornada de trabalho são absolvidos

da redação

Foto: Diário (Arquivo)
Os casos ocorreram em 2016, logo após a implantação do ponto eletrônico nos postos de saúde de Santa Maria

ATUALIZADA  às 21h do dia 3 de julho de 2019

Três médicos que atuavam em postos de saúde de Santa Maria em 2016 e foram processados por fraude e estelionato foram absolvidos em decisão recente da Justiça. De acordo com o processo, os três, que foram denunciados por não cumprir o horário diário de trabalho conforme o ponto eletrônico, foram absolvidos a pedido do próprio Ministério Público - que moveu a ação - por inexistência de provas. 

Conforme a sentença, proferida em 19 de junho pelo juiz Fabio Marques Welter, da 3ª Vara Criminal de Santa Maria, os médicos não agiram com má-fé ou má intenção e não há existência de infração penal. Ao longo do processo eles chegaram a sustentar que, apesar de não cumprir a carga horária semanal, tinham um acordo com a gestão municipal de atender um número determinado de pacientes por dia. Os três absolvidos são Dalva Maria Dalla Barba Londero, Alexandre dos Santos Leite e Luiz Alberto Funganti de Oliveira.

Na época, a prefeitura instaurou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), que resultou nas seguintes determinações: devolução de dinheiro ao erário (o valor não foi informado) pelo médico Alexandre Leite e suspensão temporária das atividades da médica Dalva Londero. Conforme a prefeitura, o médico Luiz Alberto Fuganti se aposentou antes de a Controladoria ter conhecimento dos fatos e não respondeu ao PAD porque "os atos a ele imputado não possibilitavam, segundo a Lei Municipal, a pena de cassação de aposentadoria". 

O CASO
O processo foi instaurado em 2017, um ano após uma reportagem da RBS TV mostrar que profissionais batiam o ponto antes de concluírem a jornada diária e deixavam as unidades públicas de saúde. Na época, o conteúdo foi veiculado pelo Diário.

O caso veio à tona em 2016, pouco depois de o ponto eletrônico ser instalado nas unidades básicas de saúde. Na ocasião, Alexandre atendia como ginecologista nas unidades de saúde Rubem Noal e Floriano Rocha. Dalva trabalhava na unidade do Bairro Dom Antônio Reis, e Luiz Alberto, no Erasmo Crossetti. Dos três, somente Alexandre ainda realiza atendimentos na rede municipal de saúde, conforme o portal da transparência da prefeitura.

O médico Luiz Alberto Fuganti, que chegou a atuar como clínico geral na unidade Erasmo Crosseti, se aposentou em março de 2016, antes das reportagens serem veiculadas. Ele acabou incluído no processo quando uma das testemunhas citou o nome dele dizendo que a prática de atender um número determinado de pacientes, em vez de cumprir jornada de trabalho, era comum entre os médicos do município. Quando processado por fraude e estelionato, a citação sobre ele no processo era de um período de 2013 a 2016. Assim como Dalva e Alexandre, o Ministério Público e a Justiça entenderam que não houve má-fé e que a ação do médico era de conhecimento do poder público, não justificando os crimes pelos quais respondeu.

Em 2018, um médico chegou a ser demitido e, além de Dalva, dois profissionais foram suspensos pela prefeitura. Ela foi aposentada por tempo de serviço em abril de 2018, dias depois da suspensão. Os outros dois responderam a um PAD e seguem no quadro funcional.

O QUE DIZEM AS DEFESAS DOS ABSOLVIDOS
A reportagem entrou em contato com os advogados dos três médicos. Os três, enviaram por escrito suas considerações sobre o caso:  

"A absolvição do meu cliente já era esperada por medida de Justiça, pois na instrução do processo ficou provado a inexistência de crime algum e a lisura no desempenho da função pública exercida pelo mesmo. Tem que ficar bem claro que a absolvição não foi por falta de provas, mas sim, pelo reconhecimento judicial da "inexistência de infração penal."
Itaúba Siqueira de Souza Júnior, advogado de Luiz Alberto

"No processo que tramitou perante a 3ª Vara de Santa Maria, foram ouvidas mais de 20 testemunhas e no depoimento de vários Secretários Municipais de Saúde, como funcionários do Município que trabalharam nos locais onde a Dra. Dalva prestou serviços como Médica, ficou provado que a mesma exercia sua função de médica em períodos muito além da sua carga horária diária. Ficou comprovado que o Município não dispunha de estrutura alguma para atender os pacientes com problemas respiratórios - sendo que a Dra. Dalva era a única médica Pneumo-Pediatra do quadro do Município, e a mesma levava os Pacientes das Unidades para realizarem exames - às suas expensas - em seu consultório particular, fornecendo inclusive medicamentos que o Município não disponibilizava. Era chamada com frequência por Colegas Médicos para prestar orientações dentro da sua especialidade, e também por outras pessoas para realizar atendimentos fora do seu horário de trabalho. Ficou comprovado que a mesma priorizava não só o atendimento como o acompanhamento dos pacientes para evitar a necessidade de hospitalização, mantendo relação de proximidade com as Mães dos seus pacientes a quem orientava a forma correta de tratamento."
Zeno Bittencourt Souza, advogado de Dalva

"Nosso trabalho constituiu-se em demonstrar ao Ministério Público e ao Juízo que a prática do servidor de modo algum percorreu o caminho descrito como crime, do modo como que a RBS Santa Maria colocou. Comprovamos que aquilo que a mídia sensacionalista e irresponsável usou para precariamente execrar um profissional expondo-o como fez, assim como sua própria família, sem uma prévia e devida informação sobre a realidade por meio dos setores competentes da prefeitura municipal, nada mais era do que a forma com que todos os profissionais da área médica de Santa Maria exerciam suas atividades. Deve-se destacar, inclusive, que tal modo foi adotado pelo poder público uma vez que não tem como pagar aos médicos o salário que é estabelecido para aqueles profissionais por meio dos órgãos reguladores da categoria. Nesse sentido, adotar esta medida foi a forma encontrada pelas administrações para ter o mínimo de profissionais no atendimento municipal de saúde, isto, desde que iniciou o sistema municipal. Os administradores possuem liberdade para definir como os trabalhos serão realizados no contexto do chamado poder discricionário, pois, muito pior que fazer o menos, mas fazer, é o não fazer. É vedado à Administração Pública deixar de exercer continuadamente as suas atividades, se não for assim, ela não precisa existir, perde sua legitimidade.É imperioso uma leitura correta, cujo sentido é de que se constituiu o SUS sem estabelecer a origem de recursos necessários para cumprir seu desiderato e, notoriamente, não se atende a milhões de pessoas necessitadas gratuitamente no sentido extremo da palavra, é necessário que se proveja recursos para pagamento dos profissionais, dos medicamentos, dos materiais e outros tantos necessários, senão o sistema é um engodo.

Por fim, necessário ressaltar a efetividade da Justiça ao caso concreto, eis que acatou a tese cuja consolidação se fez por meio da realidade e não de meras falácias que em um pré-processo denunciaram, julgaram condenaram solaparam a tranquilidade de profissionais sérios, cuja conduta comprovadamente sempre foi consoante às regras da administração pública. Por derradeiro, vale a pena trazer uma breve fala do grande filósofo da linguagem Wittgenstein em sua obra Tractatus Lógico Filosófico na qual diz: 'Sobre aquilo que não podemos falar, devemos calar'".
João Batista Sobroza Neto, advogado de Alexandre 

O QUE DIZEM A RBS E A PREFEITURA
Na época da primeira matéria publicada sobre o assunto, em 2016, o Diário de Santa Maria fazia parte do Grupo RBS e também publicou a reportagem. Na tarde de ontem, a redação entrou em contato com o setor de Relações com a Imprensa da RBS, em Porto Alegre, mas não obteve retorno sobre a declaração do advogado João Batista Sobroza Neto. Já a prefeitura disse que "já se posicionou por meio dos Processos Administrativos Disciplinares envolvendo os servidores em questão e ressalta que nunca foi conivente com qualquer prática irregular nas atividades dos profissionais que fazem parte do seu quadro funcional." 

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